domingo, 18 de outubro de 2009

JC - Panasqueira (a caminho, quase) IV

Minas da Panasqueira, demografia e modo de vida (Anselmo



Pampilhosa700

Demografia e modos de vida

“Emigrou tudo e então foram buscar os caboverdianos. Os de cá foram ver de vida. Eu tenho cinco no Canadá. Trabalhavam aqui, também, mas como isto não dava, abalaram”.

Daniel REIS et al (1979, p. 22)Por: Anselmo Gonçalves A actividade mineira que, desde os finais do século XIX, se desenvolveu nesta região, provocou profundas alterações no modo de vida das populações que por aqui residiam e residem.
Alterações essas que foram visíveis ao longo dos anos, com todas as implicações sociais, económicas e culturais que, bem ou mal, alteraram a identidade de várias gerações. Por assim dizer a mina proletarizou o meio envolvente marcadamente rural. Até ao início da exploração do volfrâmio estas comunidades dependiam essencialmente da agricultura de subsistência, da pastorícia e, de uma forma incipiente, moldava-se já um comércio de produtos hortícolas e de origem animal, associado ao comércio do carvão, que eram bastante rentáveis.
No entanto, a maioria dos habitantes nestas freguesias (quadro 1), como noutras próximas, tinham uma vida difícil, e nunca imaginariam que as gerações futuras iriam sofrer o embate da industrialização.

A mina era uma aventura aliciante, fosse trabalhando no “Kilo”, na mina ou mesmo na “Pilha”, o camponês tinha agora a oportunidade de transformar o sonho de sempre em realidade: ser dono de uma casinha e de alguns terrenos, o que no seu pensamento, lhe permitiria enfrentar o futuro com mais tranquilidade, mas casos houve de fortunas completamente dizimadas em horas . Sobre esta situação Jaime DIAS (1969, p. 4) refere que “Dos felizes acasos da sorte na exploração, bastas vezes repetidos, resultava o desvario, a desvergonha e o ridículo. Na ânsia de parecerem o que nunca foram, de gozarem prazeres só dados a pessoas de outros haveres ou formação, desbaratavam o dinheiro como se de coisa inútil se tratasse. (…) No uso pessoal, se não havia acendalhas para activar o fogo na lareira ou acender o cigarro, queimava-se uma nota das peludas, de quilo (de conto) que enchiam a carteira. Analfabetos exibiam, cómica e caricaturalmente, no bolsinho do casaco, lapiseiras e canetas de tinta permanente. (…) As obras literárias para as estantes da mobília do escritório eram encomendadas em relação à largura do vão: um metro ou metro e meio de livros”…
Despertos os interesses económicos das comunidades, a alucinação pela mina provocam no seu início uma euforia sem limites. A mão-de-obra destas freguesias, habituada à dureza do trabalho agrícola, foi facilmente adaptada às técnicas da exploração mineira e rapidamente transformados em operários.
A evolução sócio – demográfica das freguesias confinantes com o Couto Mineiro da Panasqueira (Dornelas-do-Zêzere, Unhais – o – Velho, S. Jorge da Beira, Aldeia de S. Francisco de Assis e Barroca do Zêzere), (figura 2, e quadro 1) tem a ver com a actividade mineira, por um lado (1895 – 1960), e com a emigração (período pós 1960), para os países da Europa Ocidental – França e Alemanha, e para a América do Norte, essencialmente para o Canadá, por outro.
A verdade é que a exploração mineira constituiu uma oportunidade de trabalho, porém limitada pela dureza e riscos físicos envolvidos, que em determinadas situações revoltavam os trabalhadores rurais.
A dinâmica demográfica nestas freguesias (figura e quadro 1), teve a ver com o notável movimento pendular entre as aldeias e as Minas, e fez mesmo crescer a população destas. Este movimento local foi associado a vinda de homens de outros locais do país, que veio fornecer mão-de-obra para o trabalho mineiro, mas também acrescentar outras profissões necessárias nesta região, como por exemplo: alfaiates, sapateiros e pessoal técnico inglês e português. Este movimento obrigou a empresa a desenvolver uma forte aposta na abertura de estradas entre a Portela de Unhais (concelho de Pampilhosa da Serra) e a Barroca Grande, além de construção de pontes como foi o caso da construída sobre o rio Zêzere, inaugurada em 26 de Outubro de 1930, a primeira feita em betão armado em Portugal, e que ainda hoje é utilizada.

Quadro 1 – Evolução da População nas Freguesias confinantes com a Mina da Panasqueira

Quadro 1 – Evolução da População nas Freguesias confinantes com a Mina da Panasqueira
ConcelhoFreguesias1890191119301940195019601970198119912001
Pamp. SerraDor. Zêzere9268609081121127413041045800780677
Unh o Velho639765929120511961298965930828632
CovilhãS.Jorge da Beira66412711297325334223306172015721063694
S. Francisco Assis[1]*379566128918382508198518861396692
FundãoBarroca Zêzere9779741247153416951391855911751634
Silvares1269149016872453260423321105124112781104


[1] ) Não consta do Censos de 1890 como freguesia, nessa data, estava com o nome de Bodelhão e anexada à freguesia da Barroca do Zêzere. Em 1895, o Bodelhão é desanexado da Barroca e passa para a jurisdição do Ourondo, até 19.07.1901, nesse dia separou-se do Ourondo tornando-se Freguesia civil, tendo-se realizado a primeira eleição para a Junta de Freguesia em 25.08.1901.

Como podemos observar no quadro 2 e gráfico 2, este movimento de pessoas está perfeitamente ligado ao período áureo das minas da Panasqueira, 1934 - 1944 . Mesmo depois de as minas terem reaberto em 1946 nunca mais se manteve a mesma dinâmica, pois a partir dessa data, passaram estas minas a estar dependentes do preço do volfrâmio, no mercado internacional.
Passemos então a uma análise mais pormenorizada de como se processou esta dinâmica:
- Entre 1890 e 1911 – O trabalho nas minas iniciou-se em 1895 e era menosprezado, a exploração era feita em pequenos filões à superfície e portanto a produção era baixa, não havia necessidade de grande quantidade de mão-de-obra, dai recorrer-se exclusivamente a mão de obra local, agricultores e portanto homens adaptados a trabalho duro.
- Entre 1911 e 1928, deu-se a viragem em termos de produção. Em 1911, as Minas da Panasqueira passam para um novo dono a Wolfram Mining ande Smelting Company Limited, que implementa novos métodos de exploração alicerçados em grande quantidade de trabalhadores, visto que em 1912 tinha já ao serviço 201 funcionários que extraíram 280 toneladas de volfrâmio. Neste período, que engloba a primeira Guerra Mundial (1914-1918), trabalhavam nas Minas da Panasqueira, cerca de 800 homens , que eram responsáveis pela extracção de aproximadamente 360 toneladas ano. Após 1920 a actividade extractiva quase paralisou, até finais da década de 20.
- Em 1928 reinicia-se a actividade e em 1934 inicia-se a “corrida”, (observar quadro 1 em anexo) na procura do volfrâmio, indício claro dos preparativos para o segundo conflito mundial, que leva a um natural aumento da produção, mas, para que tal desiderato se cumpra houve a necessidade de recorrer a elevada mão-de-obra que já não existia nesta região. Começa então a afluir a estas minas, elevado número de homens para o trabalho na mina. Nessa perspectiva João Mateus DUARTE (1988, p. 200), afirma que: “os homens da região são já insuficientes para as necessidades da mina. De todo o país chegam mais homens que a mina absorve. Subjacentes à mina, as comunidades genuinamente mineiras vão crescendo. Para a empresa concessionária, a rendibilidade da exploração passa por estes aglomerados populacionais, denominados Coutos Mineiros. A proletarização é aqui mais evidente e alargar-se-ia às comunidades rurais. Há homens de muitos lados e só aqui estão para ganharem um melhor salário, temporariamente fixados porque a mina lhes criou condições para isso, condições que os anos vieram a demonstrar serem deficientes, face à dureza das condições de trabalho”.
Nesta fase a oferta de mão-de-obra era tal, que J. Avelãs NUNES (2000, p. 227) menciona que existia uma reserva permanente que não deixava de actuar sobre os já precários salários praticados, criando situações de injustiça que vieram a despoletar situações preocupantes ao nível da segurança pública. Eram comuns as rixas e desordens entre trabalhadores de vários pontos do país, muitos deles de conduta pouco exemplar, o que contribuiu para aumentar os fenómenos de criminalidade e violência (roubos, rixas, utilização de armas de fogo, prostituição).
Essa mão-de-obra que chega de outras partes do território Nacional, faz com que determinadas freguesias vissem a sua população aumentar em vinte anos, mais de quatrocentos por cento, caso da aldeia de S. Francisco de Assis, mais de duzentos por cento S. Jorge da Beira, e mais de cem por cento as restantes freguesias: Silvares, Dornelas do Zêzere e Barroca do Zêzere, respectivamente (observar o quadro e gráfico 3).
Após 1960 embora a mina fosse dando emprego a quem o procurasse , a verdade é que desde então a mina deixou de atrair, implicitamente porque já estava associado o mal da mina, “Silicose” , a quem para lá fosse trabalhar. Esta doença profissional semeou a morte nas comunidades mineiras das freguesias aqui representadas , e ainda sobre o efeito desta doença, Daniel REIS e Fernando PAULOURO (1979, p. 11) traduzem de uma forma violenta as consequências da silicose na população mineira, ao ponto de afirmar que “alguns já nem sangue têm: foram-no cuspindo pela boca, arrombados de todo…” Essa doença bem cedo levou homens e jovens na flor da idade, deixando viúvas e órfãos . As consequências foram trágicas e lentamente, foi-se tornando um pesadelo e um temor o que deixou um rasto de ódio à mina. As condições de trabalho, a silicose e o próprio futuro eram razões mais do que válidas para manter esse ódio e procurar de todas as formas fugir à mina, o que aconteceu com a perspectiva da emigração. Cláudio dos REIS (1971, p. 36) exprime de forma singela esta situação, afirmando, que: “nos últimos tempos a actividade destas minas vem sendo seriamente afectada pela falta de mão de obra, principalmente nos trabalhos subterrâneos,…”
Actualmente, as freguesias analisadas apresentam dinâmicas demográficas idênticas às restantes freguesias rurais do concelho do Fundão, Covilhã e Pampilhosa da Serra, com a predominância dos estratos etários acima dos 60 anos de idade. De facto olhando para os quadros com a evolução demográfica, cruzando com o conhecimento profundo deste território, podemos concluir que as minas, desde há muito tempo, deixaram de exercer uma influência capital na evolução demográfica da região, como foi entre 1930 e 1960.


Bibliografia

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DUARTE, João Mateus (1988) - “Implicações Históricas no Meio Comunitário Periférico ao Couto Mineiro da Panasqueira”. Actas das II Jornadas da Beira Interior, Jornal do Fundão, vol. 2º, pp. 199 - 203.

MATOS, J. X. (2001) – “Património mineiro português: estado actual da herança cultural de um país mineiro”. Actas do Congresso Internacional Sobre Património Geológico e Mineiro, IGM, Lisboa.

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NUNES, João Paulo Avelãs (2005) – O Estado Novo e o volfrâmio (1933-1947). Projecto de Sociedade e opções Geoestratégicas em Contextos de Recessão e de Guerra Económica. Dissertação de Doutoramento em História, Especialidade em História Contemporânea, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

REIS, Daniel; NEVES, Fernando Paulouro (1979) - A GUERRA DA MINA E OS MINEIROS DA PANASQUEIRA, A Regra Do Jogo Edições, Lisboa.

RIBEIRO, Aquilino (1961) – VOLFRÂMIO. 2ª Edição, Livraria Bertrand, Lisboa.


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