sábado, 1 de agosto de 2009

O Juiz de Fajão

Casa muito simples, a confeccionar com saber a cozinha típica da região. Lista de vinhos curta, destacando-se o tinto da casa, servido em jarro.

Herdou o nome de uma personagem da terra, um juiz, o qual, segundo consta, proferia as suas sentenças por intermédio de parábolas antigas. Nesta aldeia das proximidades da serra do Açor, são Lucília e Maria de Fátima quem dita as leis da boa cozinha. Servem bacalhau à juiz (servido à posta em canoas), javali, chanfana e trutas fritas ou grelhadas (na época), entre outras especialidades. A tigelada faz as delícias dos mais gulosos. Aconselha-se o vinho da casa, da região do Douro.

Contos de Fajão

O Juiz de Fajão, na Relação do Porto

Um dia mataram um homem na serra da Rocha, e o Juiz de Fajão, que andava por ali à caça, viu quem o matou.

Mas como esse homem andava de mal com certo indivíduo, puseram as culpas a esse com quem ele andava mal.

No tribunal, as testemunhas juraram que tinha sido esse fulano o assassino.

O Juiz de Fajão tinha visto, mas não podia ser ao mesmo tempo testemunha e juiz. Tinha de julgar conforme a prova testemunhal, mas também não queria condenar um inocente e deixar em liberdade o assassino.

Então lavrou a seguinte sentença:

Julgo que bem julgo,

posto que bem mal julgado está!

Vi que não vi, morra que não morra!

dêem o nó na corda que não corra.

Chés-bés; Maria põe palha.

E, lida a sentença, aconselhou o réu a recorrer para a Relação.

Foi o processo para a Relação do Porto, e de lá devolveram-no alegando que não entendiam os dizeres daquela sentença, especialmente aquele «chés-bés, Maria põe palha». Que era melhor lá ir.

O Juiz de Fajão marcha para o Porto, mas levou consigo um rapazito dos seus oito anos. Explicou-lhe o que queria dizer «chés-bés, Maria põe palha», e chegado ao

tribunal da Relação, disse ao rapazito que esperasse à porta, e se o chamassem para lhe perguntarem o que queria dizer «chés-bés, Maria põe palha», que dissesse.

Depois entrou, mas ninguém lhe deu cadeira para se sentar. Então ele não se desmanchou; pegou no capote, dobrou-o muito bem dobrado e sentou-se em cima dele.

Perguntaram-lhe então o que queria dizer a sentença, e ele explicou:

«Julgo que bem julgo,» porque julguei conforme a prova testemunhal.» «Posto que bem mal julgado está», porque eu vi que o réu está inocente». «Vi, que não vi», porque vi quem matou mas não posso ser Juiz e testemunha.» Morra que não morra, dêem o nó na corda que não corra», porque ele não deve morrer visto que está inocente.

E pergunta o presidente da Relação:

— Então e que é isto que aqui está: «chés-bés, Maria põe palha?»

— Pois os senhores não sabem o que é chés-bés? Até um rapazito sabe o que isso é. Olhe, quando eu entrei estava ali um à porta; se o mandarem chamar, ele diz o que isso é.

Foram chamar o rapazito, e perguntaram-lhe o que quer dizer «chés-bés». Ele respondeu logo: Quer dizer etc, etc.

O Juiz da Relação não se deu por vencido, e perguntou ao Juiz de Fajão:

— Então e isto que aqui está: «Maria põe palha?»

— Sabe, Sr. Dr. Juiz, é que nós lá em Fajão temos falta de azeite para nos alumiarmos, e então deitamos palhas na fogueira para podermos escrever. Quando a chama vai a apagar-se tem de se dizer: Maria, põe palha!

O Juiz da Relação disse então:

— Pois se lá não têm azeite, mande cá uma almotolia que eu dou-lhe o azeite.

Terminada assim a audiência, o Juiz de Fajão levantou-se, despediu-se com todo o respeito e já ia a sair, quando o oficial de diligências lhe gritou lá do cimo da escada:

Então o senhor Juiz de Fajão não leva o capote?

— O Juiz de Fajão nunca levantou cadeira donde se assentou.


Contos de Fajão - Monsenhor A. Nunes Pereira, pp15

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